quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Projeto Origens Brasil: de onde vem o que você compra?

A coleta das castanhas gera renda sustentável ao povo Kayapó. Foto: Simone Giovine
Em 2012, a engenheira florestal Patrícia Cota Gomes participou da I Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais, na Aldeia Mojkarakô. Representando o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), instituição com sede em Piracicaba (SP) da qual é coordenadora de projetos, na época ela apresentou aos Kayapó uma ideia ainda em construção chamada Origens Brasil, que criaria um selo de identificação de origem e valorização de produtos agroextrativistas de povos tradicionais e indígenas. Em 2016, ela voltou à mesma aldeia para a segunda edição da Feira de Sementes, desta vez para contar os primeiros resultados da iniciativa, em andamento desde o mês de março. “Em 2010 o ISA convidou o Imaflora para apoiar a região da Terra do Meio na busca de soluções para promover a valorização de populações tradicionais e de sua cadeia de produtos da biodiversidade. As comunidades tinham o desejo de voltar a ter orgulho da sua cultura e produção tradicional. Na época, as atividades ilegais e predatórias na região (como o garimpo e a madeira ilegal) se mostravam mais atrativas do ponto de vista financeiro do que as atividades tradicionais, que conservavam a floresta. Era um desafio”, relembra Patrícia.

O selo Origens Brasil foi criado com o objetivo de reconhecer os produtos provenientes de um novo conceito, que são os Territórios de Diversidade Socioambiental – aqueles que contam com um corredor de áreas protegidas com expressiva diversidade socioambiental e possuem cadeias produtivas estruturadas e em operação, além de instituições atuantes, articulações e espaços democráticos em diálogo com as populações tradicionais e indígenas que neles vivem. “O Xingu é um território com um enorme patrimônio socioambiental e possui uma governança estabelecida para a produção. Por isso, foi o primeiro território, de outros que virão, a ser reconhecido pelo Origens Brasil”, conta Patrícia. 


Patrícia Cota Gomes, do Imaflora, apresenta o Selo Origens Brasil aos Kayapó durante II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Foto: Simone Giovine/AFP
O selo conecta produtores, compradores e consumidores finais, criando mais transparência na relação comercial entre eles. Os primeiros disponibilizam todas as informações sobre seus produtos na plataforma (www.origensbrasil.org.br), acessada pelos últimos por meio de um QR Code impresso nas embalagens, acompanhado da frase “Este produto respeita a diversidade socioambiental do Xingu”. Com isso, o selo garante a origem e rastreabilidade do produto, permitindo ao consumidor conhecer o território de origem, as pessoas que coletaram a produção e pra quem foi vendido. O selo ainda irá monitorar, por meio de um sistema de monitoramento de impacto, a contribuição do Origens Brasil para a manutenção da diversidade socioambiental dos territórios e a comercialização ética, assegurando que as relações comerciais foram realizadas por meio de diálogo entre empresas e comunidades, com pagamento a preços justos, de forma a respeitar e valorizar o modo de vida das populações tradicionais e povos indígenas.


O Xingu é o primeiro território compreendido pelo Origens Brasil. Até o momento, 12 instituições locais, comunitárias e indígenas aderiram ao projeto junto ao Imaflora, gestor da iniciativa. Dessas, fazem parte do Comitê Territorial do Xingu o ISA (Instituto Socioambiental), o Instituto Kabu, a AFP (Associação Floresta Protegida), a Atix (Associação Terra Indígena Xingu) e a AMORA (Associação dos Moradores da Reserva Extrativista do Anfrísio). As outras são COOBAY, Amoreri, Amomex, Povo Xipaya, Povo Kuruaya, Povo Xikrin e Instituto Raoni. O território da Calha Norte será o próximo a ser inserido na iniciativa, em 2017, e, assim como o Xingu, possui grande relevância pela sua dimensão e atributos socioambientais, abrangendo 70 municípios nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, onde vivem quilombolas, indígenas e extrativistas e encontra-se uma diversidade enorme de produtos associados à cultura destas populações.

Cacique Raoni Metuktire com as castanhas
Kayapó do Projeto Origens Brasil
Foto: Simone Giovine/AFP
Podem aderir ao selo produtos do extrativismo (como óleos vegetais, resinas, sementes, frutos, folhas, exsudatos, raízes), produtos agroextrativistas de roças tradicionais (como farinha, pimenta, amendoim, mel) e produtos da cultura (como cestaria, grafismos, desenhos estampados em objetos, peças de vestuários, bijuterias). Não entram, por enquanto, madeira, pescado, pecuária e produtos agrícolas de roças não-tradicionais. No total, já são 245 produtores em 38 grupos registrados na plataforma, e cinco empresas aderidas no projeto: Wickbold (com os pães Grão Sabor, que levam castanhas do Pará), a Firmenich (óleo de copaíba) e a Mercur (borracha natural), as três com a matéria-prima dos extrativistas das Resex da Terra do Meio; o Grupo Pão de Açúcar, pelo Programa Caras do Brasil (com o mel do Parque Indígena do Xingu, que foi o primeiro produto indígena nacional a receber o certificado de inspeção federal - SIF - e o selo de produto orgânico); e a Tucum (com artesanato indígena de diferentes etnias). 

“Pensamos em nosso selo para que o kuben (não-indígena) veja nossa história. Porque nós tiramos nossa castanha e não sabemos para onde ela vai. E o kuben também não sabe de onde ela veio quando a compra”, diz David Atydjaree, representante Kayapó no projeto. Quando o consumidor digita o código da castanha no site, é direcionado a uma página com informações sobre o Território Kayapó, o número de pessoas beneficiadas com a relação comercial, os extrativistas indígenas responsáveis pela coleta e onde e como a mesma é feita, com o auxílio de mapas e fotografias. Vai descobrir, por exemplo, que “a coleta da castanha é uma atividade que representa não apenas uma das opções mais promissoras para a geração de renda sustentável, mas também uma complementação da dieta alimentar indígena, além da oportunidade de promover e valorizar as práticas da cultura Kayapó”, assim como “se o corredor do Xingu não existisse, os brasileiros teriam que conviver com 1 bilhão de toneladas de CO2 a mais na atmosfera”.

Confira vídeos do projeto:





Texto: Ana Ferrareze


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