Os
Krahô chegaram no dia 12 de setembro na Aldeia Moikarakô, o primeiro dia da II
Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Viajaram de suas aldeias no
Tocantins para prestigiarem os parentes em mais uma bela edição de trocas e
encontros. O convite chegou alguns meses antes, no início de junho, quando o
Cacique Isaac e sua mulher Pankaro visitaram as aldeias Manoel Alves, Pedra
Branca, Cachoeira e Pé de Coco para levarem pessoalmente o convite. Por teremsido precursores e fonte de inspiração na realização das feiras de sementes, os
Krahô foram convidados especiais dos Mebengôkré nesta edição, que teve como
foco o povo Kayapó e a troca entre as aldeias da etnia, a fim de fortalecer o
movimento interno da agricultura tradicional.
O
caminho até Moikarakô é desafiador. Normalmente o trajeto é feito via fluvial,
em viagens de barco que demoram até dois dias, dependendo da época do ano e das
cheias e secas dos rios; ou em voos que levam 30 minutos a partir de
Ourilândia, mas custam cerca de R$ 2.500, ida e volta. A decisão para recepcionar
os convidados da feira foi tomada pelas lideranças Mebengôkré, que optaram por
abrir uma estrada a partir de São Félix do Xingu. Um processo que durou cerca
de um mês e foi financiado pela Associação Floresta Protegida.
Em
meio à floresta fechada, a estrada de terra incorporou-se. As chuvas fizeram
lama, enquanto os ônibus apelidados de “topa-tudo” e caminhonetes 4x4 enfrentavam
a missão de chegar. Um tempo subjetivo, como a natureza, com duração
indeterminada. Podia-se levar seis horas para chegar, assim como 24h. Podia-se
nem chegar. Para os Krahô, um atoleiro fez com que passassem a noite no ônibus,
esperando o dia amanhecer para a viagem continuar com mais segurança. “O
caminho foi longo, mas o importante é que estamos aqui, certo?”, disse o líder Getúlio
Kruwakraj Krahô, da Aldeia Manoel Alves, assim que chegou. “Fora que dormi na minha
casa, né? Estávamos no meio da mata”. Os guerreiros indígenas enfrentam empecilhos muito
maiores em sua rotina.
Getulio Kruwakraj Krahô e Tadeu Togrekrat Krahô com as sementes levadas na Feira Foto: Kamikia Kisedje/AFP |
OsKrahô chegaram com as bolsas cheias de sementes. Pela lona colocada no centro
da Casa dos Guerreiros, Getulio achou seu cantinho para espalhar o juço
(espécie de castanha, “boa para febre, dor de garganta”), o pini (parecido com
um cipó, bem cheiroso, que “faz bem pra curar dor de cabeça, corpo quente,
fraqueza”), cabacinha e babaçu. “Vou ver se encontro alguma semente interessante
pra trocar, mas mesmo se não encontrar eu vou dar o que trouxe. Porque depois
Deus me dá sempre mais”, disse. Tadeu Togrekrat Krahô, filósofo e agricultor da
Aldeia Pé de Coco, levou diferentes variedades de milho para a Feira, separados
desde que receberam o convite para participarem. Entre as sementes levadas
pelos parentes Krahô estavam as pàtkàrà (fava de couro de iambê), py (urucum),
ãptyre (feijão andô), kôkytmry’ê (feijão coruja), akàngre (cajuí), potosôto
(feijão trepa-pau) e arehy (feião arroz). Também compartilharam artesanato,
principalmente cestos feitos com folha de buriti.
Corrida de tora. Foto: Simone Giovine/AFP |
De buriti também são as toras usadas nas corridas em pares que são muito
tradicionais entre os Krahô. Elas acontecem em festas, celebrações, após
caçadas e pescarias coletivas. Dois grupos são formados e a tora é carregada no
ombro pelos competidores, que saem em disparada, passando aos companheiros ao
longo do trajeto. A corrida animou uma das tardes na Feira, levando homens e
mulheres indígenas e não-indígenas a mostrar sua força e velocidade.
O cantor Osmar Kukon Krahô Foto: Simone Giovine/AFP |
O
canto também é um dos aspectos mais marcantes na cultura ritualística desse povo. Cada
festa tem um canto específico, com pedidos e agradecimentos de acordo com a
ocasião. Eles começam pela madrugada e continuam até o anoitecer. Na Feira, o cantor
Osmar Kukon, da Aldeia Manoel Alves, fez sua voz ecoar com o maracá a partir
das 4h, no centro do pátio central da aldeia. Alguns acordaram e o acompanharam
pessoalmente; em casa, quem preferiu continuar a dormir teve a chance de
vivenciar os cantos misturando-se aos sonhos. Ao longo do dia, muitos momentos levam
ao cantar. As refeições, as reuniões, os banhos, o início da noite. “Aprendi
com o meu avô e canto desde pequeno”, lembra Kukon. “Tem que começar de criança
pra não ter vergonha de cantar na frente de todo mundo. Na minha aldeia já
estou ensinando dois meninos”.
Mulheres Krahô na II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Foto: Simone Giovine/AFP |
Integração cultural: meprire Kayapó corta o cabelo ao estilo Krahô. Foto: Simone Giovine/AFP
Texto:
Ana Ferrareze
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