quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Krahô: precursores das Feiras de Sementes e convidados especiais na segunda edição Mebengôkré


Os Krahô chegaram no dia 12 de setembro na Aldeia Moikarakô, o primeiro dia da II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Viajaram de suas aldeias no Tocantins para prestigiarem os parentes em mais uma bela edição de trocas e encontros. O convite chegou alguns meses antes, no início de junho, quando o Cacique Isaac e sua mulher Pankaro visitaram as aldeias Manoel Alves, Pedra Branca, Cachoeira e Pé de Coco para levarem pessoalmente o convite. Por teremsido precursores e fonte de inspiração na realização das feiras de sementes, os Krahô foram convidados especiais dos Mebengôkré nesta edição, que teve como foco o povo Kayapó e a troca entre as aldeias da etnia, a fim de fortalecer o movimento interno da agricultura tradicional.

O caminho até Moikarakô é desafiador. Normalmente o trajeto é feito via fluvial, em viagens de barco que demoram até dois dias, dependendo da época do ano e das cheias e secas dos rios; ou em voos que levam 30 minutos a partir de Ourilândia, mas custam cerca de R$ 2.500, ida e volta. A decisão para recepcionar os convidados da feira foi tomada pelas lideranças Mebengôkré, que optaram por abrir uma estrada a partir de São Félix do Xingu. Um processo que durou cerca de um mês e foi financiado pela Associação Floresta Protegida.

Em meio à floresta fechada, a estrada de terra incorporou-se. As chuvas fizeram lama, enquanto os ônibus apelidados de “topa-tudo” e caminhonetes 4x4 enfrentavam a missão de chegar. Um tempo subjetivo, como a natureza, com duração indeterminada. Podia-se levar seis horas para chegar, assim como 24h. Podia-se nem chegar. Para os Krahô, um atoleiro fez com que passassem a noite no ônibus, esperando o dia amanhecer para a viagem continuar com mais segurança. “O caminho foi longo, mas o importante é que estamos aqui, certo?”, disse o líder Getúlio Kruwakraj Krahô, da Aldeia Manoel Alves, assim que chegou. “Fora que dormi na minha casa, né? Estávamos no meio da mata”. Os guerreiros indígenas enfrentam empecilhos muito maiores em sua rotina.

Getulio Kruwakraj Krahô e Tadeu Togrekrat Krahô com as sementes levadas na Feira
Foto: Kamikia Kisedje/AFP






OsKrahô chegaram com as bolsas cheias de sementes. Pela lona colocada no centro da Casa dos Guerreiros, Getulio achou seu cantinho para espalhar o juço (espécie de castanha, “boa para febre, dor de garganta”), o pini (parecido com um cipó, bem cheiroso, que “faz bem pra curar dor de cabeça, corpo quente, fraqueza”), cabacinha e babaçu. “Vou ver se encontro alguma semente interessante pra trocar, mas mesmo se não encontrar eu vou dar o que trouxe. Porque depois Deus me dá sempre mais”, disse. Tadeu Togrekrat Krahô, filósofo e agricultor da Aldeia Pé de Coco, levou diferentes variedades de milho para a Feira, separados desde que receberam o convite para participarem. Entre as sementes levadas pelos parentes Krahô estavam as pàtkàrà (fava de couro de iambê), py (urucum), ãptyre (feijão andô), kôkytmry’ê (feijão coruja), akàngre (cajuí), potosôto (feijão trepa-pau) e arehy (feião arroz). Também compartilharam artesanato, principalmente cestos feitos com folha de buriti.

Corrida de tora. Foto: Simone Giovine/AFP


De buriti também são as toras usadas nas corridas em pares que são muito tradicionais entre os Krahô. Elas acontecem em festas, celebrações, após caçadas e pescarias coletivas. Dois grupos são formados e a tora é carregada no ombro pelos competidores, que saem em disparada, passando aos companheiros ao longo do trajeto. A corrida animou uma das tardes na Feira, levando homens e mulheres indígenas e não-indígenas a mostrar sua força e velocidade.

O cantor Osmar Kukon Krahô
Foto: Simone Giovine/AFP
O canto também é um dos aspectos mais marcantes na cultura ritualística desse povo. Cada festa tem um canto específico, com pedidos e agradecimentos de acordo com a ocasião. Eles começam pela madrugada e continuam até o anoitecer. Na Feira, o cantor Osmar Kukon, da Aldeia Manoel Alves, fez sua voz ecoar com o maracá a partir das 4h, no centro do pátio central da aldeia. Alguns acordaram e o acompanharam pessoalmente; em casa, quem preferiu continuar a dormir teve a chance de vivenciar os cantos misturando-se aos sonhos. Ao longo do dia, muitos momentos levam ao cantar. As refeições, as reuniões, os banhos, o início da noite. “Aprendi com o meu avô e canto desde pequeno”, lembra Kukon. “Tem que começar de criança pra não ter vergonha de cantar na frente de todo mundo. Na minha aldeia já estou ensinando dois meninos”.




Mulheres Krahô na II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Foto: Simone Giovine/AFP

Integração cultural: meprire Kayapó corta o cabelo ao estilo Krahô. Foto: Simone Giovine/AFP


Texto: Ana Ferrareze


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