“Sob o pretexto de que precisávamos acelerar a produção de alimentos, o governo passou a falar sobre uma coisa chamada 'melhoramento de sementes'. A prática, surgida em Nova York, foi um sucesso em países como Brasil, Índia e México, que começavam a se desenvolver economicamente através das monoculturas, mas, diferente do que se propagava, deixou um rastro de fome e desvalorização na sabedoria tradicional”, explicou Flávia Londres, da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), durante uma das rodas de conversa da II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais.
Política nacional para os povos indígenas foi tema de roda de conversa da II Feira Mebengôkré de Sementes Tradicionais. Foto: Simone Giovine/ AFP |
Bengoti Kayapó, assessor indígena da AFP Foto: Simone Giovine/AFP |
“Os atos políticos da Feira de Sementes precisam ter a repercussão necessária para mostrarmos aos kuben que estamos preparados pra defender nossos direitos”, explicou.
Os
Mẽbêngôkre habitam hoje mais de 50 aldeias localizadas em seis Terras Indígenas.
São elas: Badjônkore, Baú, Capoto/Jarina, Kayapó, Las Casas e Menkragnoti.
Juntas, somam uma área de cerca de 11 milhões de hectares no centro-sul do Pará
e norte do Mato Grosso, que está no alvo de madeireiros, fazendeiros, garimpeiros
e grandes empresas, de olho nos recursos naturais deste lado do país. Este
cenário coloca o povo Mebengokré em situação de protagonismo permanente na luta
pelos direitos indígenas e proteção da Floresta Amazônica.
Este
protagonismo rendeu a Raoni Metuktire fama internacional por sua atuação em
favor da Floresta Amazônica. Aos 86 anos, Raoni confessa que “teve uma época
que ficava viajando muito pra fora falando do Brasil e dos nossos direitos.
Era tanta reunião que eu quase não lembrava como era a vida, mas foi então que
me fizeram comer um peixe com batatas e eu me lembrei porque é que não
podemos esquecer da nossa luta”.
A lembrança de Raoni a partir da alimentação que lhe foi oferecida era a certeza, para ele e para muitos que ali estavam, de que não há como desassociar as questões relacionadas a segurança alimentar e saúde indígena das questões políticas. Assim sendo a II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais serviu a este fim. Se
de um lado a atividade foi uma grande festa de intercâmbios pela preservação e
segurança alimentar dos povos da floresta, de outro foi também um espaço de
preparação para que lideranças e a comunidade Mebengôkré se pintassem para a
guerra.
A
guerra de que falamos aqui tem como força bélica as ações do Estado, que
coleciona uma série de projetos, leis e decretos que, caso concretizados,
enfraquecerão os direitos indígenas e alterarão profundamente a vida da
população brasileira, colocando em risco toda a diversidade cultural e
alimentar que torna o Brasil único, gigante e soberano. Contra
esta força permanecem as comunidades indígenas com a sabedoria milenar dos homens
e mulheres que conseguiram preservar a tecnologia social mais antiga do mundo: o
contato harmonioso com a floresta.
O
evento foi marcado por importantes discussões políticas, sobretudo no campo da
biodiversidade, e de duros apontamentos sobre a modificação genética das
sementes tradicionais. A ideia que deu luz à “Revolução Verde” foi defendida no
Brasil e em todo o mundo como o caminho para a geração de alimentos e sustento
de uma população pobre e faminta, mas a história mostra que este processo foi
também responsável por aprofundar as desigualdades entre grandes e pequenos
produtores rurais, a marginalização e insegurança alimentar entre os povos
tradicionais e da floresta e pelo desaparecimento de variedades biológicas de
sementes extremamente ricas e que garantiam a autonomia dos povos tradicionais.
Isso
significou no Brasil a aceleração de um processo de etnocídio que caminha a
passos largos para seu ápice nos três poderes da república, em um complicado
momento para a política nacional brasileira, no qual a democracia está
fragilizada e os direitos indígenas mais ameaçados do que antes de 1988, quando
não havia legislação que garantisse direitos a eles. Todas essas discussões foram
contempladas na Carta-Aberta de Mojkarakô, disponível aqui.
Com este cenário, a troca de sementes tradicionais não é só uma atividade de conservação ambiental ou resgate da segurança alimentar, mas um ato político dos mais importantes. Na ocasião, Rafael Galvão, coordenador de projetos da Associação Floresta Protegida (AFP), apresentou às lideranças presentes um apanhado geral das principais ameaças aos povos indígenas presentes nos três poderes.
"É preciso ficar em alerta a todas as ameaças que passam e escolher o melhor momento para agir", pontuou Galvão.
Confira abaixo os projetos, ementas e principais caminhos que afrouxam os direitos indígenas:
Executivo
1. Portaria 303/12: estende e generaliza para todas as Terras Indígenas as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal utilizadas na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Entenda o caso, aqui.
2. Decreto 7957/13: regulamenta o uso da força bélica para a articulação, integração e cooperação entre os órgãos e entidades públicas ambientais, visando o aumento da eficiência administrativa nas ações ambientais de caráter preventivo ou repressivo. Em março de 2013, a Força Nacional e o exército brasileiro foram acionados, com base no Decreto 7957/13, para realizar operações militares contra os Munduruku, na região do Médio Tapajós, a fim de viabilizar estudos de impactos ambientais para o licenciamento da construção de um complexo hidroelétrico.
3. Portaria Interministerial 60/15: a portaria restringe as distâncias de uma obra nas quais seus impactos socioambientais devem ser considerados e define prazo máximo de 105 dias para a manifestação nos licenciamentos de órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Cultural Palmares (FCP) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Depois deste prazo o licenciamento poderá seguir em frente sem a manifestação desses órgãos.
Legislativo
Com este cenário, a troca de sementes tradicionais não é só uma atividade de conservação ambiental ou resgate da segurança alimentar, mas um ato político dos mais importantes. Na ocasião, Rafael Galvão, coordenador de projetos da Associação Floresta Protegida (AFP), apresentou às lideranças presentes um apanhado geral das principais ameaças aos povos indígenas presentes nos três poderes.
"É preciso ficar em alerta a todas as ameaças que passam e escolher o melhor momento para agir", pontuou Galvão.
Confira abaixo os projetos, ementas e principais caminhos que afrouxam os direitos indígenas:
Executivo
1. Portaria 303/12: estende e generaliza para todas as Terras Indígenas as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal utilizadas na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Entenda o caso, aqui.
2. Decreto 7957/13: regulamenta o uso da força bélica para a articulação, integração e cooperação entre os órgãos e entidades públicas ambientais, visando o aumento da eficiência administrativa nas ações ambientais de caráter preventivo ou repressivo. Em março de 2013, a Força Nacional e o exército brasileiro foram acionados, com base no Decreto 7957/13, para realizar operações militares contra os Munduruku, na região do Médio Tapajós, a fim de viabilizar estudos de impactos ambientais para o licenciamento da construção de um complexo hidroelétrico.
3. Portaria Interministerial 60/15: a portaria restringe as distâncias de uma obra nas quais seus impactos socioambientais devem ser considerados e define prazo máximo de 105 dias para a manifestação nos licenciamentos de órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Cultural Palmares (FCP) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Depois deste prazo o licenciamento poderá seguir em frente sem a manifestação desses órgãos.
Legislativo
1. PEC 215: o projeto transfere do Governo Federal para o Congresso Nacional a
função de decidir ou não pela demarcação de terras indígenas. O texto deve
passar ainda pelo Plenário da Câmara e do Senado para ser aprovado
definitivamente, mas só a atitude de colocar em discussão Terras Indígenas sem
a presença dos principais afetados demonstra o longo caminho a ser percorrido
pelos povos da floresta na garantia de seu direito constitucional.
2. Pl 1610/96: regulamenta a mineração em Terras Indígenas. Entenda melhor, aqui
3. Pl 227/2012: limita o direito de posse e usufruto das terras tradicionais pelos povos indígenas. Entenda melhor, aqui.
4. PEC 237/13: permite a posse indireta de Terras Indígenas aos produtores rurais. Entenda mais aqui.
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